terça-feira, 19 de maio de 2009

QUEM MATOU O MEU VIZINHO? (Conto)


QUEM MATOU O MEU VIZINHO?

Quando um crime acontece após a meia-noite e ainda numa época fria, quando todos ou a grande maioria decidem ir para a cama mais cedo, o trabalho da polícia parece bem mais complicado.

E foi assim que aconteceu na pacata cidade de Vilanópolis, onde a temperatura oscilava entre os 8 e 12 graus, nas épocas em que os agasalhos eram os produtos preferidos pelos seus habitantes.

Com suas ruas estreitas mas repletas de pessoas que se deslocavam para o trabalho ou para as arrojadas lojas imprensadas entre si, aquela cidadezinha acumulava uma população calma, onde a criminalidade era algo quase impossível.

Cercada de montanhas e florestas, com estradas muitas vezes cobertas pela neve, Vilanópolis não oferecia muitas opções. Apenas um vulcão que entrara em erupção há mais de trezentos anos, chamava a atenção dos poucos turistas que arriscavam visitá-la.

A paz era algo extraordinário. Até parecia mais um paraíso. Os que ali chegavam não mediam esforços para tecer grandes elogios. E assim foi por anos e anos, até que um certo dia, uma pergunta brotava da garganta de algumas pessoas: QUEM MATOU O MEU VIZINHO?

Parte 1

UM VISITANTE ESQUISITO

A noite estava fria. Lá fora, uma chuva fina molhava timidamente as ruas da cidade. O silêncio da noite fazia com que o barulho das gotículas que se chocavam com as calçadas, chegassem como um pequeno trovão no interior de minha pequena e humilde casa.

Lembro que assistimos televisão até meia-noite, eu e minha mulher, já que as crianças, reclamando da baixa temperatura, preferiram a quentura dos seus leitos. Até que tentaram assistir um desenho que passava em um dos canais, mas acabaram adormecendo.

O filme até que parecia combinar com a temperatura local. Era daqueles filmes que nos deixam um tanto incômodos na poltrona, devido a sua monotonia. Ainda tentei mudar de canal, mas minha mulher aconselhou-me a desistir, afirmando que os outros canais não apresentavam nada de especial e que ruim por ruim, aquele era a melhor opção.

Finalmente, acabou! Olhei para minha companheira e notei que ela me dirigia um sorriso irônico, como quem quisesse dizer que perdemos um tempo precioso por nada. Balancei a cabeça concordando com ela, mesmo sem dizer um a palavra sequer. Era sempre assim: bastava um gesto seu para saber o que ela pretendia dizer.

Levantamo-nos e, ao dar os primeiros passos em direção ao nosso quarto, ouvimos um barulho estranho no apartamento ao lado. Parecia alguém discutindo sobre não sei o que. Paramos e tentamos traduzir as palavras que ouvíamos naquele instante Minha mulher quis falar e eu, colocando o dedo indicador na boca, fiz sinal para que ela se calasse.

Passaram-se alguns minutos, talvez três ou quatro, não sei bem ao certo. Resolvemos abrir uma das janelas e o fizemos levemente. Olhamos para um lado e para outro e nos concentramos na direção de onde ouvimos as palavras que chegaram a apresentar um tom agressivo. Depois, silêncio total.

Olhei para minha mulher e, parecendo entender o meu olhar, ela recuou. Imitei-a em seus movimentos, fechei a janela da mesma forma como a abri e fomos para o nosso quarto. Afinal, o relógio já marcava 02:45 da madrugada.

Eram 09:15h de um domingo não muito diferente dos demais. Aliás, o domingo seria igual aos outros, não fosse a presença de um sujeito esquisito na cidade. Seus cabelos caídos sobre os ombros, protegidos por um chapéu cinzento, fazia uma certa diferença, levando-se em consideração os costumes do local. Uma comprida capa preta cobria aquele corpo de quase dois metros de altura.

Caminhando em passos lentos, como se estivesse medindo a distância entre ele e o restaurante “Papillon”, propriedade do francês Pierre Chaveau, o estranho parecia não dar a mínima para as pessoas que por ele passavam olhando-o com espanto ou com admiração.

Silenciosamente, puxou a cadeira de uma das mesas, sentou-se, correu os olhos pelo ambiente, como se procurasse alguém e, finalmente, com uma voz suave de dar medo, chamou o garçom com um gesto leve de quem não tem a mínima pressa. Puxou um pouco a manga do casaco e olhou no relógio, como se tivesse algum compromisso com hora marcada.

Depois de ser servido, chamou o garçom e quase colando a boca em seu ouvido perguntou: - Você conhece Alfredo Damianni Colasso? O rapaz disse que sim e que ele sempre freqüentava aquele local. Fez grandes referências aos Damiannis e isso arrancou do estranho um leve sorriso, talvez o primeiro em toda a sua vida.

O garçom perguntou quem era ele e o que desejava do Sr. Alfredo Colasso. O estranho apenas fechou o sorriso, respondendo apenas que era amigo da família. Levantou-se, entregou ao rapaz o valor correspondente às despesas, deixando-lhe o restante como gorjeta.

O garçom olhou os passos lentos daquele homem, balançou a cabeça, jogou a moeda para o ar, pegando-a em seguida e colocando-a no bolso. Recolheu o que ficara sobre a mesa e desapareceu no interior do restaurante.

Depois do desjejum, resolvi ir até a janela para ver como estava o tempo lá fora. Stella, minha filha de dez anos, acompanhou-me, mas o vento frio jogado contra os nossos corpos, fez com ela recuasse e se dirigisse até a poltrona mais próxima. Sentou-se encolhida tentando aquecer o próprio corpo.

Suportando a frieza, resolvi ficar mais um pouco a fim de contemplar o pequeno e tímido movimento das poucas pessoas que se arriscavam transitar sob aquela temperatura de 9 graus. De repente, senti um arrepio enorme ao ver aquela figura estranha que, cabisbaixa, como se estivesse escondendo o rosto, caminhava lentamente, indiferente à baixa temperatura.

Com um movimento mecânico, ele olhou em minha direção e balançou a cabeça como se quisesse dizer “bom-dia!”. Fiz um leve sorriso e levei a mão à testa como se estivesse respondendo a um sinal de continência. Preocupou-me a maneira estranha daquele indivíduo, mas não dei muita importância a sua presença naquele local.

Estava nesse pensamento, quando alguém bateu à porta. Quem poderia ser àquela hora? Minha filha olhou para mim e com um olhar inocente, pediu-me para atender. Mas não foi preciso, uma vez que minha esposa, que chegava naquele momento, fez o que eu deveria ter feito.

- Bom-dia, Sra. Franquini! A senhora sabe que tem gente nova na cidade?

- Não, Fred! Hoje ainda não vi o novo dia! – respondeu minha mulher, abrindo passagem para o “ilustre” visitante.

Fred era um jovem de seus 21 anos que nunca aprendera uma profissão a não ser a de pedir um prato de comida àqueles a quem achava mais tolerantes com a sua incômoda presença. Ele sabia de tudo o que acontecia dentro e fora da cidade. Era um autêntico “pombo-correio”.

Imediatamente se dirigiu até onde estava minha filha, a quem sempre dedicou uma atenção especial. Apesar de não querer nada com a vida, era um a pessoa de extrema confiança.

- Ôi, Stella! Parece que todo o frio do mundo pousou sobre você! Encolhida desse jeito, você acaba se entrevando toda! Como foi sua noite? Dormiu bem?

Stella fez um sorriso, deu um leve toque no ombro do jovem e foi logo perguntando: - Qual a novidade de hoje, Fred? Você sempre traz novidades!

- Por acaso você está me chamando de fofoqueiro, Stella?

- Não! Imagina, Fred! Você, fofoqueiro!!!

Minha mulher cortou o rápido diálogo, chamando-nos para o café da manhã. Afinal já estava na hora de saborearmos um copo de leite bem quentinho. A temperatura convidava.

Voltamos para a sala e ligamos a televisão para ouvirmos as primeiras notícias do dia. Nada de especial. Até a previsão do tempo não apresentou nada diferente. O frio continuaria por todo o dia.

Fred se despediu e, chegando à porta, voltou-se segurando a maçaneta e agradeceu o café da manhã. Dirigiu o olhar para Stella e desejou-lhe mil felicidades.

Ouvi um barulho no jardim, abri a porta e vi o jornaleiro acenando-me. Retribuí o cumprimento, apanhei o jornal e entrei. Ia sentar-me para a leitura diária quando Evelyn lembrou em voz compassada:

- Querido! Não esqueça de levar a Stella para a aula de violino! Já passa das nove e temos apenas trinta minutos. Acho melhor deixar a leitura do jornal para depois!

Parte 2

UM DISPARO NA MADRUGADA

O final de semana fora tranqüilo. Pela manhã assistimos ao jogo de basquete e vibramos com a vitória do nosso time, o Royal Time. À tarde optamos por um filme e nada melhor para uma tarde monótona do que assistir ao “Poderoso Chefão”.

Em seu quarto, Stella relembrava a aula da manhã e tocava o seu violino. Ainda não era uma profissional, mas já conseguia juntar algumas notas de Vivaldi. Pelo visto, ela seria uma excelente violinista.

À noite, após o jantar, sentei-me na minha poltrona preferida para tirar um cochilo, enquanto não chegava o meu programa preferido. Lentamente, Evelyn se aproximou, arrastou uma cadeira e sentou-se à minha direita. Gostei quando ela passou a acariciar os meus cabelos, mas o que ela falou deixou-me pensativo:

- Você sabia que está na cidade um estranho pedindo informações a respeito do Sr. Alfredo Colasso?

Virei-me para ela e quis saber quem lhe deu essa informação:

- Um estranho na cidade? Espere aí! Ontem, quando saí à janela, um sujeito meio esquisito cumprimentou-me com o tímido movimento de cabeça! Mas... como você soube da presença dele aqui?

- Ora, querido! Você esquece que temos o Fred? O que se passa na cidade que ele não toma conhecimento? Se ele quisesse seria um excelente repórter de televisão!!!

- Espere aí, querida! O que você acha de um estranho chegar à cidade bisbilhotando a vida de alguém?

- É um tanto esquisito, principalmente quando envolve uma pessoa como o Sr. Alfredo, você não acha?

Fiquei em silêncio e, como se fosse impulsionado por uma mola propulsora, levantei-me da poltrona ficando frente a frente a minha mulher, que olhou espantada para mim e:

- O que aconteceu com você, querido? Algum bicho lhe mordeu?

- Não, querida! Não foi bicho nenhum! Vou até o apartamento do Sr. Colasso! Ele precisa saber o que está acontecendo! Mas, como foi que o Fred soube disso?

- Ele falou que foi o garçom, lá do “Papillon”. Disse que, depois de se servir, o estranho perguntou pelo Sr. Alfredo Colasso e, sem dar explicações, retirou-se deixando o troco em cima da mesa.

Sem pensar duas vezes, dei meia volta e saí em disparada em direção do apartamento vizinho. Ele precisava tomar conhecimento dos acontecimentos. Afinal, ele era o possível alvo daquele estranho visitante.

Eram quase nove da noite quando bati na porta do Sr. Colasso. Passaram-se uns dois minutos para que ele aparecesse. Ao ver-me, fez um sorriso de satisfação e pediu que entrasse.

- Boa noite, Sr. Frankini! O que o faz sair nesta noite fria?

Fiquei sem saber por onde começar. Respondi com um “hum, hum!”, pedi-lhe licença e, seguido por ele, procurei uma poltrona para sentar-me. Depois de alguns minutos falando sobre o jogo do Royal Time, resolvi entrar no assunto:

- Bem, Sr. Colasso! Eu vim aqui para fazer-lhe um alerta! Meu vizinho olhou-me estupefato e resmungou:

- Hum, hum! Mas o que está acontecendo nessa cidade? Hoje, o senhor já é a terceira pessoa que vem até aqui com o mesmo objetivo!

Agora quem estava estupefato era eu. Fiquei tão atônito que até cheguei a gaguejar:

- Ma...ma...mas quem veio aqui além de mim!?...

- Primeiro foi o Charles, garçom do “Papillon”! Depois, o Fred, aquele rapazinho que sabe de tudo, até mesmo antes que tudo aconteça! E... agora... o senhor!

Olhei em silêncio para o meu vizinho, como se estivesse estudando o seu comportamento e quis saber de sua mulher. Ele disse que ela havia ido visitar a mãe que sofrera um pequeno acidente quando capinava o jardim.

Como não tinha mais nada a fazer ali, despedi-me com um “boa-noite” e segui em direção ao meu apartamento, onde encontrei a Evelyn que me esperava com ansiedade. Contei-lhe sobre a conversa com o Sr. Colasso. Ela fez um leve muxoxo e me acompanhou até a minha poltrona.

Tentei assistir ao meu programa favorito que destacava os principais eventos esportivos do fim-de-semana, mas o meu pensamento estava naquele estranho. Acabei adormecendo. Acordei com Evelyn tocando no meu ombro e chamando para um lugar bem mais aconchegante: nossa macia cama.

Ainda chegamos a falar sobre o Sr. Colasso e o interesse daquele estranho por ele e acabamos adormecendo. De repente! Pam... pam... pam! Três disparos, um batido de porta e... silêncio.

Por alguns segundos, ou minutos, não sei bem, esperei por algum fato novo. Nada! Nenhum movimento no quinto andar onde morávamos. Olhei para a Evelyn e percebi que ela também me olhava. Encolhi os ombros, virei-me para um lado e adormeci.

Acordei no dia seguinte com um barulho diferente: sirenes tocando, passos apressados e motores silenciando. Olhei de lado e vi que Evelyn ainda dormia. Parecia estar muito cansada para não ouvir tamanho barulho.

Levantei-me, abri a janela e olhei em direção ao apartamento do Sr. Alfredo Colasso. Algumas pessoas se aglomeravam para saber o que estava acontecendo. Notei que a área estava isolada, evitando assim a aproximação de curiosos. Tudo aquilo me deixava intrigado.

Assustei-me ao ouvir a voz rouca de Evelyn. Virei-me e vi minha mulher ainda esfregando os olhos e perguntando em voz preguiçosa: - O que está acontecendo, querido? Porque você saiu da cama tão cedo?

Só então apressei-me em olhar no relógio. Eram 07:20h. Era a primeira vez que acordava sem me preocupar com o horário. Não era tão cedo como Evelyn pensava.

Parte 3

OS SUSPEITOS

Para a polícia, começava naquele momento um caso entre estranho e complexo. Quem seria capaz de matar um homem como o Sr. Colasso? Teria sido um latrocínio ou simplesmente um homicídio? Teria ele um inimigo oculto? Por onde começar as investigações? Eram muitas perguntas que precisavam de respostas concretas.

Quem teria matado o meu vizinho? Estava eu nesse pensamento quando alguém bateu à porta. Era uma batida diferente. Parecia que a pessoa estava nervosa. Apressei-me a atender. Assustei-me ao ver o Fred diante de mim. Ele estava pálido. Entrou rapidamente e, muito mais rapidamente deixou seu corpo franzino cair sobre a poltrona.

O relato do jovem deixou-me atônito. Stella ficou perplexa com o que ouvia. Evelyn estava petrificada. E foi ela quem cortou o silêncio provocado pelo relato do Fred:

- Espere aí, Fred! Isso quer dizer que a polícia desconfia de todos aqueles que estiveram com o Sr. Colasso!? Mas isso é um absurdo!!! Se é assim (olhou para o marido), até você é suspeito! Não, Fred! Isso é inadmissível! Nós somos pessoas de bem e todos são testemunhas do nosso conceito e da nossa idoneidade moral!

Fred olhava, ora para mim, ora para Stella e, à proporção que Evelyn falava, olhava para ela como se estivesse concordando com tudo o que ouvia dela.

Fiz um gesto com uma das mãos, pedindo um “aparte”. Olhei para todos e, andando de um lado para o outro, com a mão direita no queixo, falei como se quisesse enumerar os fatos:

- Se a polícia desconfia de todos que estiveram com o Sr. Colasso, então vamos por etapa: eu estive lá para certificá-lo da presença do estranho. Ele me disse que você (fixou o olhar no Fred), esteve lá antes de mim. Não podemos esquecer do sujeito que chegou à cidade recentemente.

Evelyn levantou-se rapidamente da poltrona e...:

- Esperem um pouco! Estamos esquecendo da mulher dele! Ela era meio estranha e seu comportamento sempre foi motivo de algumas briguinhas entre eles! Também poderia ter sido ela!

Todos olharam espantados para Evelyn. Será que ela estava certa? Essa suposição teria sentido? Essas interrogações passaram a martelar a minha mente. Não, não era possível, mesmo porque ela fora visitar a mãe que estava moribunda! Não! Ela não! Todos, menos ela!

- O que está havendo, querido? Você está pensativo? Alguma nova descoberta? – exclamou Evelyn, afastando-me dos meus pensamentos ridículos.

Enquanto isso, na delegacia, o Dr. Franklim Rostand, um delegado sisudo e de uma competência ímpar, conversava com os policiais a respeito do estranho crime. Nunca Vilanópolis fora palco de um caso tão complexo. Com o rosto entre as mãos e sem olhar para os seus subordinados, sussurrou:

- É um caso um tanto difícil, é claro! Mas não ficará sem um resposta concreta, disso podem ter certeza. Se assim não for (fitou os policiais e bateu forte na mesa), eu não me chamarei Franklim Rostand!

Revirou uns papéis que lhe fora entregue pelos policiais e murmurou:

- Fred Feauchet, um francês quase vagabundo, que chegou à Vilanópolis com seis anos de idade; sem endereço certo; nenhuma profissão, a não ser a de viver às custa dos outros! Esteve na casa dos Colassos na noite do crime! Charles Soletro, garçom, 21 anos, um sujeito um tanto curioso, incapaz de matar uma barata! Também esteve no apartamento do Sr. Colasso na noite do crime! Lafayette Frankini, 43 anos, um cidadão honrado, chefe de família exemplar e de uma idoneidade inabalável, mas os cidadãos idôneos também cometem deslizes!...

Um dos policiais interrompeu o relato do chefe, para dizer que, depois dos homens só restavam as mulheres: a Sra. e a Srta. Frankini.

- É, você tem quase razão! – retrucou o delegado – mas esqueceu que temos um outro personagem nessa história! Ou vocês esqueceram do tal visitante estranho?

Houve um silêncio profundo na sala. Silêncio este que só foi quebrado quando o delegado completou:

- Isso sem se falar na esposa da vítima!... Mesmo estando fora da cidade, ela pode estar envolvida indiretamente no crime!... Ou, quem sabe... diretamente!

Os policiais se entreolharam, como se não estivessem entendendo até onde o seu superior queria chegar com tantas suposições.

Outro silêncio. Ninguém se atrevia a interromper os pensamentos do Dr. Rostand, um profissional competente e incapaz de se deixar levar pelos status sociais de quem quer que fosse, inclusive dos seus superiores. Por tudo isso, era bastante respeitado, não só em Vilanópolis, mas em toda a região. Abriu uma das gavetas de sua mesa de trabalho, tirou dali alguns papéis e entregou a um dos policiais:

- Tome, agente 44, vá até esses endereços e entregue essas intimações. Vamos começar a parte mais importante do nosso trabalho: os interrogatórios. Todos precisam ser ouvidos.

Horas depois, o agente 44 retornou à Delegacia e fez ciente ao seu superior das entregas, ao mesmo tempo em que relatava as reações dos intimados:

- Parece que todos são inocentes, Dr. Rostand! Essa conclusão eu tirei pela reação de cada um deles. Dava para notar a decepção e até a surpresa ao receberem as intimações.

O delegado ouviu em silêncio a opinião do agente. Com o rosto entre as mãos e os cotovelos apoiados na mesa, não conseguia dizer nada. E assim ficou por algum tempo. Ninguém era capaz de traduzir o significado daquele silêncio.

Todos se assustaram quando o delegado se levantou repentinamente, olhou para os subordinados e falou:

- Dois de vocês venham comigo! Vamos procurar o estranho visitante. Verifiquem suas armas, coloquem os coletes e sigam-me. Só voltaremos à Delegacia com aquele elemento em nossa companhia.

Eram três e quarenta da tarde. O restaurante estava bem movimentado. Era o horário em que muitas pessoas compareciam àquele local para o já tradicional “lunch”.

Houve um momento de silêncio e surpresa, quando o delegado, acompanhado de dois agentes, apareceu na porta de entrada do estabelecimento. Isso não era comum, visto que a presença do policial ali não acontecia com freqüência.

Indiferente a tudo e ocupando uma mesa em um lugar reservado, uma figura estranha levantou a cabeça e viu os três olhando para todos os cantos, como se estivessem procurando algo especial. Sua experiência o levou a concluir que ele era aquele “algo especial”.

Os três “visitantes” pararam diante daquele homem de olhos negros, cabelos bem tratados, um corpo de quase dois metros e dono de um comportamento estranho. A atitude rude do delegado parou diante de tudo aquilo.

- Boa tarde, senhor...

- ... Rômulo Benzinni de Alvarenga, Dr. Franklin Rostand!

O delegado e os dois agentes ficaram pasmados diante daquele homem frio e seguro da situação. Afinal, quem era aquele homem? Como sabia o seu nome? De onde viera? O que estava fazendo naquela cidade? Que relação teria ele com aquele crime? Os três só voltaram a si, saindo dos seus pensamentos, quando o estranho falou:

- Algum problema, delegado???

- Oh, não!!! Estávamos apenas de passagem e entramos para uma visita de rotina!!! O... o senhor é novo na cidade? Está de passagem? Ou...

- ... Eu vim para uma missão especial! Eu sou detetive e trabalho para os federais. (tirou do bolso a identidade e coloco-a diante dos três homens que continuavam espantados). Precisamos ter uma conversa, Dr. Rostand.

Sem conter sua falta de controle emocional, o delegado tentou amenizar a situação:

- Amanhã, estarei ...

- ... Não, Dr. Rostand! Amanhã, não! Ainda hoje, daqui a duas horas (olhou no relógio), eu estarei na sua delegacia para um assunto que requer muito cuidado e muita urgência! Daqui a duas horas, delegado Rostand! Combinado???

- Sim... sim... sim senhor Benzinni! – concordou o delegado sem conseguir disfarçar o seu nervosismo.

Imediatamente, o delegado e seus agentes retornaram ao local de trabalho. Seu nervosismo era bastante visível. Entrou em seu gabinete e se deixou cair sobre a cadeira, dando um longo suspiro. Balançou a cabeça várias vezes, como se não estivesse entendendo mais nada.

Desfeitas as emoções, um dos agentes quebrou o silêncio:

- É (respirou fundo)! Se alguém aqui pensava que o estranho era o assassino, as dúvidas acabam de se dissipar. Bem, por hoje basta! Estou com a cabeça em pânico! Vou tomar um aperitivo. Quem quiser me acompanhar...!

O Dr. Rostand permaneceu em silêncio e cabisbaixo. Levemente foi levantando a cabeça, olhou seu subordinado e mandou que ele saísse, apenas acenando com as duas mãos. Ao ficar só, deu um longo suspiro e deixou o corpo relaxar deslizando na cadeira.

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Na parede da Delegacia, o relógio marcava 17h30, quando alguém bateu à porta. Parecia ter passado um a eternidade desde a saída do detetive Benzini. Em apenas duas horas, a cabeça do Dr. Rostand mais pareceu um mundo de perturbações. Estava tão distante da realidade que nem se deu conta de que alguém batera à porta. Somente depois de alguns segundos, ordenou:

- Entre!!!

O detetive Rômulo Benzinni de Alvarenga entrou acompanhado dos dois agentes, que estavam nas proximidades e viram a chegada do incômodo visitante. Foram poucos minutos de conversa até que os quatro saíram para a difícil missão de descobrir o assassino do Sr. Colasso.

- Quem seria capaz de cometer um crime tão bárbaro contra um homem tão respeitado e tão honesto? – perguntou o delegado, olhando para o detetive.

Sem demonstrar qualquer reação estranha e mantendo uma calma incrível, o detetive apenas fez um resmungo e respondeu:

- Qualquer pessoa, Dr. Rostand! Qualquer pessoa! Quando alguém decide praticar um crime, a justificativa de ser a vítima uma pessoa idônea perde todo o sentido. Um parente, um amigo, todos passam a ser suspeitos (pausa). Até o senhor, delegado!

As últimas palavras caíram com o um a bomba, deixando o delegado pasmado, ao ponto de engasgar antes de encarar o detetive e bradar:

- Êêêêêuu! O senhor está louco, detetive!? Eu nem tinha muita intimidade com a vítima! Onde o senhor pretende chegar, detetive?

Fazendo um leve sorriso e sem olhar no rosto do delegado, o detetive apenas falou:

- Não leve a sério, delegado! Foi apenas uma citação normal, sem qualquer intenção de magoá-lo e muito menos de acusá-lo! Esqueça e vamos à luta!!! Quem sabe se o assassino não está quase em nossas mãos!

Foram vários dias de visitas, investigações e interrogatórios. As coisas estavam difíceis para o detetive Rômulo Benzinni. Quem, realmente teria motivos para tirar a vida do meu vizinho?

Aproximavam-se as festas de Natal e Ano Novo, quando a cidade ficava totalmente iluminada. Aliás, não era muito difícil fazê-la linda, por não ser uma metrópole, apesar de sua beleza natural.

O detetive Benzinni acordou mais cedo, tomou uma ducha, foi até o refeitório e tomou o café da manhã. Foi tudo muito rápido. Tinha pressa, pois as investigações precisavam ser agilizadas. Não era possível numa cidade pequena como Vilanópolis, um crime provocar tanta dor de cabeça nas autoridades locais. Crimes bem mais complexos foram desvendados por ele e esse não seria diferente. Era uma questão de honra.

Antes de ir à delegacia, o detetive resolveu fazer uma visita à residência dos Colassos. Bateu à porta e foi recebido pela senhora Stefanni, que ficou bastante nervosa ao ver o detetive. O que aquele homem queria ali? De que desconfiava? Teria recebido alguma denúncia anônima? Aquelas perguntas se seqüenciaram numa fração de segundos.

- Minha presença a incomoda, senhora Stefanni? – falou o detetive, quebrando o silêncio.

A sra. Colasso gaguejou um a resposta meio sem graça, sempre mantendo-se numa posição de quem estivesse evitando a entrada do visitante. De repente, ouviu-se uma voz masculina:

- Quem é querida?

O detetive Benzinni, conhecendo aquela voz, colocou a cabeça mais próxima à porta e respondeu:

- Sou eu, delegado Franklin Rostand! O detetive Rômulo Benzinni!

Se a senhora Stefanni apresentava um semblante cadavérico, imagine como estava o delegado! Ser encontrado àquela hora da manhã na casa do falecido e ainda por cima chamar a viúva de querida, era algo não muito agradável para ambos.

- Desculpem a intromissão! Sei que fui bastante incômodo e que minha presença não é tão oportuna! Com licença, sra. Colasso!!! - disse o detetive dando meia volta e se afastando Dalí.

A ausência do detetive Benzinni das investigações estavam deixando o delegado incomodado. O que estaria acontecendo? – pensou ele. Precisava conversar com o detetive mas não tinha coragem depois de tudo que ele presenciou. Levantou-se e saiu às pressas. Precisava conversar com a sra. Stefanni.

- Você precisa se afastar da cidade por uns dias, querida! As coisas não estão indo bem! O detetive Benzinni não deu mais a cara na delegacia e isso me preocupa!

- Mas, querido! O que esse detetive faz na cidade? Quem o mandou investigar a morte de meu marido? Afinal, quem é este detetive? Você sabe alguma coisa a respeito desse...

-... Não, querida! Nada sei a respeito dele! Mas de uma coisa estou certo: de que você deve fazer as malas e sair da cidade o mais rápido possível! Nossa intimidade pode colocar tudo a perder!

Os passos do delegado foram acompanhados pelo olhar curioso do detetive Benzinni, que se colocara por trás de um a árvore próxima à residência dos Colassos. Minutos depois da saída do delegado, ele resolveu fazer uma nova visita à senhora Stefanni.

Agora as coisas se complicaram! O detetive passou a desconfiar da mulher do falecido e do próprio delegado. Será que ele tem razões suficientes para agir assim? A saída rápida da viúva, deixando a cidade já é prova suficiente para incriminá-la? Como amigo e vizinho dos Colassos, não posso me precipitar em julgamentos próprios. Ora! Estou cheio de interrogações!

E você, amado leitor, pode dar uma resposta mais convincente? Ajude-nos a desvendar esse crime e diga QUEM MATOU O MEU VIZINHO!

(Adalberto Claudino Pereira - autor)

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